A Questão do Ódio nos Sites de Rede Social


flamewar.jpgTalvez muitos não saibam, mas uma das pesquisas que desenvolvemos atualmente com maior interesse no MIDIARS (Grupo de pesquisa em mídia, discurso e análise de redes sociais) refere-se, exatamente, à questão do espalhamento da violência simbólica e do discurso do ódio nos sites de rede social. Essa questão está muito evidente com as eleições, especialmente pela intolerância generalizada nessas ferramentas. A questão central nisso é... por que isso acontece? Por que somos tao mais agressivos nos sites de rede social?

O problema do contexto e das audiências

Primeiramente, é preciso pensar sobre a questão do contexto. Em nosso dia a dia cotidiano, há normas de contexto que governam as nossas interações (para os Foucaultianos de plantão, poderíamos pensar em termos de "ordem" do discurso). Isso significa que há coisas que podem ser ditas em determinados contextos, mas não em outros. Assim, piadas sexistas que você provavelmente conte para os seus amigos no bar não serão contadas no ambiente de trabalho. Questões religiosas serão evitadas quando você está visitando seus parentes que são ultra religiosos. Nossa tendência, assim, é conversar sobre o que nos une, evitando os assuntos que possam gerar conflito (em geral, ok?), porque se gasta muita energia emocional nesse tipo de evento (discussão). O problema dos sites de rede social é que esses contextos normativos, as ordenações discursivas, não são evidentes. Não existem fronteiras claras entre as diferentes redes sociais que ali se encontram. Assim, sua rede de amigos está misturada com sua rede do trabalho, com sua rede de parentes e etc. Além disso, há uma grande audiência invisível, que você não percebe diretamente (amigos de amigos, por exemplo). Com isso, boa parte do contexto do que se fala é perdido. Pessoas que não conhecem você (ou que conhecem pouco) terão acesso ao que você publicou como piada e poderão se sentir ofendidas. Não há controle de interação (não se vê os efeitos da fala, apenas depois que ela já está presente na rede) e as correções são impossíveis ou muito difíceis. 

Isso significa que basicamente, é muito dificil "falar" para diferentes audiências, com diferentes contextos e ordens discursivas sem ofender ninguém. Especialmente em questões mais polêmicas. E, uma vez ofendidas, as pessoas são agressivas, o que inflama ainda mais as questões. Na irritação, imagina-se um receptor genérico, desconhecido que, na prática, pode ser um grande amigo. A opinião polêmica é colocada visando a concordância, o apoio da rede e não a flame (discussão). Mas a flame é uma decorrência dessa opinião e das audiências invisíveis (que é um conceito maravilhoso desenvolvido pela danah boyd aqui). E a flame também gera radicalização das posições e não debate. Aí não se discutem idéias, mas se agride o falante, o sujeito que diz. 

O problema do preconceito

Por causa dos elementos que falei acima, vemos que discursos presentes na sociedade começam a se tornar mais visíveis. Isso significa que não é a internet que faz com que as pessoas falem mal dos nordestinos, como recentemente observamos após os resultados do primeiro turno das eleições. Este discurso já está presente na sociedade brasileira. Não são as pessoas que decidem ser racistas ou homofóbicas por conta da internet. Esses discursos já estão na sociedade, eles apenas são "abafados". Você não faz aquela piada racista para pessoas que vão te julgar por isso. Ou seja, a internet parece ter um papel desvelador de discursos que estão presentes, preconceitos constituídos e elementos de violência simbólica. E esse desvelamento, embora ele discuta a naturalização dessas idéias (por exemplo, o sujeito que diz "não sou preconceituoso, mas..."), ela também coloca o sujeito no holofote.

A questão é que, uma vez mais visível, esse discurso de ódio pode encontrar ressonância. E uma vez que encontre, ele é legitimado por outros grupos, seja através de concordância, apoio, curtidas, compartilhamentos etc. E essa legitimação amplia a força desse discurso, tornando-os menos marginal. Então, aquele discurso torna-se mais aceito e seu enunciador, mais certo de que aquilo é "verdadeiro". Esse mecanismo funciona tanto para discursos que consideramos legais (por exemplo, apoio a causas e discussão de questões de gênero, etc.) quanto para discursos que consideramos intolerantes. 

Vejam, por exemplo, o mapa a seguir, que tem cerca de 36 mil tweets coletados logo após as eleições contendo a palavra "nordestinos" (que está dentro do conceito "Nordeste"). As conexões representam a frequência do conceito em relação aos demais conceitos e o tamanho do nó (palavra) o número de vezes que apareceu no dataset. Observem os traços presentes associados à "Nordeste" (burros, pobres, bolsa familia, mal, voto, culpa e etc.)

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Assim, consideramos que é essencial estudar esses mecanismos para compreender como esses discursos aparecem e, fundamentalmente, oferecer subsídios para o desenvolvimento de políticas de educação para esses discursos de ódio. Mais do que isso, também é necessário compreender os mecanismos da intolerância e da radicalização ocasionados pela hiperconexão dos sites de rede social e pelos mecanismos de informação hoje.