[29 de março de 2009]

Redes Sociais como Estruturas de Poder

Redes sociais, como sabemos, são modos de representação de grupos de atores sociais. Enquanto modos de representação de estruturas sociais, as redes também podem expressar estruturas de poder implícitas nesses agrupamentos. Do meu ponto de vista, todo o grupo social possui algum tipo de hierarquia e algum tipo de estrutura de poder constituída de forma implícita ou explícita. Uma relação de poder, para Foucault, é uma relação de dominação de indivíduos ou instituições sobre outros indivíduos e outras instituições. Esse poder é legitimado por um determinado grupo social de formas diferentes. Poderíamos imaginar, por exemplo, que em uma rede social no Twitter, as pessoas com maior número de seguidores teriam mais poder na rede, uma vez que poderiam influenciar um maior número de indivíduos. Essa conexão seria, portanto, causa e conseqüência da legitimação de uma estrutura de poder ali expressa.

Para explicar rapidamente essa construção, vou emprestar do Augusto de Franco (da Escola de Redes) a indicação do texto sobre as estruturas de rede do Paul Baran:

Baran_resumo.gif

De acordo com Baran, as três estruturas básicas das redes seriam as que aparecem acima: centralizadas, descentralizadas e distribuídas. Se pensarmos que cada conexão representa uma relação de poder, temos que esses três modelos poderiam representar redes onde há maior e menor concentração de poder. A rede distribuída, por definição, é a rede onde há maior igualdade na estrutura de poder, onde os indivíduos não estão hierarquizados. Já a rede centralizada e descentralizada representam, necessariamente, redes hierarquizadas e com estruturas de poder bem definidas e concentradas em determinados atores. Um dos méritos da perspectiva do Barabási, assim, na minha opinião, é chamar a atenção para a presença da hierarquia - e por conseguinte, das estruturas de poder. Barabási demonstrou que a estrutura da rede "sem escala" (ou seja, de redes mais centralizadas) seria a mais comum nos fenômenos. Ou seja, é muito difícil que tenhamos redes distribuídas quando focamos sistemas sociais. A tendência é que sempre existam negociações de poder, levando a uma tendência de clusterização e centralização da rede. Embora a Internet contribua para a distribuição maior do poder entre um maior número de nós, mesmo essas redes sociais são hierarquizadas. Redes sociais na Internet, assim, tendem a ser, portanto, hierarquizadas e descentralizadas, mas não distribuídas.

Se compreendermos as redes sociais na Internet a partir de seus links como estruturas de poder (escrevi brevemente sobre isso com o Alex Primo e o Ricardo Araújo), observaremos que essas estruturas são negociadas de formas variadas e que essa negociação é influenciada, de um modo especial, por uma disputa pelo capital social construído nesses espaços. Assim, elementos como reputação, autoridade e popularidade podem ser centrais para a compreensão dessas redes como expressões das estruturas de poder. Mais do que isso, essas estruturas podem também apresentar pistas importantes para a compreensão das cascatas na Internet e outros fenômenos informacionais que pretendo focar em breve.

O objetivo deste post é chamar a atenção para uma discussão que muitas vezes tomamos como certa: aquela onde as redes sociais na Internet são democráticas por princípio e que democratizam nossas relações. Não é bem assim. Redes sociais na Internet também são hierárquicas e dependentes de relações de influência e poder. Também há dominação. Também há contrato social. Quando escolhemos quem seguir no Twitter ou aceitamos pedidos de amizade no Orkut, pesamos cuidadosamente as vantagens e desvantagens dessa relação, decidindo conceder ou não poder a outrem. Muitas dessas redes podem ser extremamente centralizadas, onde um único indivíduo é o conector e o filtro das informações para o todo. Escrevi um paper discutindo essas questões com maior profundidade e, em breve, disponibilizarei aqui.
por raquel (07:42) [comentar este post]


Comentários

Renato P. dos Santos (março 29, 2009 8:58 AM) disse:

Obrigado por mostrar que o santo tem pés de barro! Por desfazer o mito de que a Internet é democrática. Por esclarecer que nas redes a que aderimos, aceitamos, explicitamente e mais ou menos conscientemente, contratos sociais. Só fico pensando se não há um interesse de poder em se propalar, talvez até deliberadamente, a idéia de que a Internet é democrática.

Kelly Cristina Silva (março 29, 2009 9:23 AM) disse:

Estava pensando sobre o fato de pessoas que tem mais seguidores são as mais influente, até que vi que nos lugares onde o Twitter está mais difuldido o número de seguidores e seguidos se equiparam e é bem diferente do Brasil em termos de quantidade, 10.000,50.000, 100.000 etc, ou seja mesmo que tenha o poder ainda sim ele é mais distribuído e democrático que o mundo que vivemos.

Alberto Marques (março 29, 2009 9:45 AM) disse:

Raquel,
não consegui abrir o link do texto que você escreveu com o Alex Primo.
Um abraço.

Leandro Cianconi (março 29, 2009 10:11 AM) disse:

Bom texto. Mas acho que as métricas puramente quantitativas, como número de seguidores, não vão dar conta da complexidade das relações sociais na web (e nem fora dela). A influência deve ser medida pelo valor real de cada relação. Confiança e outros indicadores tácitos devem entrar, de alguma forma, na equação.

raquel (março 29, 2009 10:16 AM) disse:

Oi Alberto! Já consertei o link. :D

raquel (março 29, 2009 10:17 AM) disse:

Oi Leandro! Tens toda a razão. Não defendo que "métricas" sejam usadas nesse sentido, é só um apontamento exemplificado. hahahahaha :D Mas com certeza a coisa é muito mais complexa e é preciso levar em conta muitos outros aspectos de capital social.

Augusto de Franco (março 29, 2009 11:07 AM) disse:

Minha opinião sobre isso:
Redes sociais distribuídas e centralizadas são casos limites. As redes sociais que conhecemos têm graus de distribuição (ou de centralização) diferentes, no intervalo entre a máxima centralização (centralizada) e a máxima distribuição (distribuída). Convencionei, cá com meus botões, o seguinte: se o grau de distribuição é maior do que o grau de centralização, então a rede pode ser considerada distribuída. Isso, evidentemente, é uma mera convenção. (Para ver o que chamo de grau de distribuição assista o vídeo Redes Distribuídas que está disponível na Escola-de-Redes).

Assim, em geral, encontraremos sempre alguns centros, mesmo nas redes consideradas (pelo meu critério) distribuídas. Isso não significa que não existam redes com 100% de distribuição (em grupos pequenos), correspondendo a 100% de conectividade (todos-com-todos). Penso ter mostrado - no mesmo vídeo citado - as vantagens de considerar a distribuição juntamente com a conectividade.

Todavia, em redes com grande número de nodos é mais difícil encontrar 100% de distribuição-conectividade. Alguns estimam entre 100 e 150 pessoas o tamanho dos grupos em que cada nodo pode ter acesso imediato a qualquer outro (sem grau de separação) e, além disso, que todos possam com-viver com todos (com-viver aqui evocando relações frequentes, reiteradas). Não sei ainda. Mas esse, com certeza, é um motivo pelo qual uma rede distribuída só poderá perdurar como tal por meio da clusterização, com o surgimento de múltiplos aglomerados nos quais se possa realmente ter uma com-vivência que dê origem a comunidades de aprendizagem (de projeto ou de prática).

Existindo, portanto, centros remanescentes em uma rede distribuída (quer dizer, mais distribuída do que centralizada), parece razoável supor um movimento interno de deslocamento entre tais centros no que diz respeito à capacidade de entroncar fluxos (isso é, aliás, o que chamamos de liderança nas redes distribuídas, sempre uma multiliderança e nunca uma monoliderança; e isso, talvez, corresponda ao que você, Raquel, chama de 'poder'). Mas isso não significa necessariamente hierarquia enquanto capacidade de obstruir fluxos e excluir ou separar nodos (ou seja, como "poder vertical"). Autoridade não é necessariamente poder (nesse sentido de poder de obstruir, separar e excluir). Pode-se dizer que a liderança móvel e temporária exerce uma autoridade móvel e temporária. Se esse autoridade é usada para obstruir fluições, filtrá-las ou direcioná-las segundo um padrão recorrente, então a autoridade se constitui como poder (de mandar nos outros) e, aí, configura-se uma estrutura (e uma correspondente dinâmica) hierárquica.

Raquel (março 29, 2009 11:25 AM) disse:

Augusto,
Que honra o teu comentário. Concordo com a maior parte dos teu pontos. :D Acho que é bem como colocaste: são situações limites. Gosto muito do teu conceito de autoridade dinâmica, mas acho que é um tanto o quanto "ideal" no sentido de dever ser. A mim parece que é um ideal possível e passível de ser perseguido, mas não "natural". Ou seja, acho que há uma tendência a hierarquização, que pode e deve ser questionada.

Multiliderança é o conceito mais interessante. Há relações de poder na medida em que há algum tipo de organização - e aqui podemos perceber a legitimação democrática da "concessão".

Assim, é possível, do meu ponto de vista, que a rede possam ser construída idealmente de forma mais democrática, mas não é pressuposto que todas as redes sociais na Internet construam-se assim. Ao contrário, a mim parece que, apesar do que muitos propalam, as redes na internet também explicitam relações intrínsecas de poder e disputa por capital social, que vão além da mera colaboração. Há sim hierarquia, há sim concentrações de poder. E é nessa intenção que escrevi esse pequeno texto (talvez não de forma tão clara porque não era acadêmico). Nem toda a rede social é naturalmente democrática, embora a estrutura da comunicação mediada por computador propicie um campo mais interessante para essa construção. Mas empiricamente, tenho observado que, de forma cada vez mais hobbesiana, somos individualistas e só aceitamos a coletividade quando o valor negociado parece valer a pena para os atores. :D

É uma longa discussão filosófica. :)

Leonard Almeida (março 29, 2009 8:03 PM) disse:

Olá Raquel! sou estudante de jornalismo aqui em São Paulo, e coincidentemente, o assunto do meu TCC é justamente (basicamente) as Redes Sociais como fonte jornalística. Por isso, agradeço aos seus por ter seu trabalho como guia.
Usarei esse material como bibliografia, e futuramente, se for preciso, gostaria de te fazer perguntas a respeito.
Parabéns pelo trabalho. um abraço
Leonard

Rafael Reinehr (março 29, 2009 10:35 PM) disse:

Concordo quando dizes que pesamos nossas decisões em cinluir ou não alguém entre nossos seguidos, mas assim como disse o Augusto, não existe na verdade uma obstrução ao fluxo constante de seguidos e seguidores. Existe esta assim chamada autoridade dinâmica (e que no twitter nada mais reforça dados graus de "autoridade" em outros campos da vida virtual ou real. Vejam os casos de Obama e Stephen Fry, por exemplo. A vida real - tanto quanto das demais "celebridades" quem lhes dá os "números" que apresentam em suas contas do twitter.

É assunto que não tem mais fim, mas com certeza buscar um entendimento dos mecanismos que formam estes gargalos e tentar aperfeiçoar meios para que as redes tornem-se cada vez mais distribuídas é um estímulo interessante para qualquer pesquisador social.

Claudio Ferreira (março 31, 2009 5:50 PM) disse:

Olá Raquel, estou finalizando uma matéria sobre o uso do Twitter pelo mercado corporativo para a revista TI Inside, da Converge, e gostaria de entrar em contato com vc. Vc pode me rebater no meu mail? Meu deadline é quinta-feira.

Abs e obrigado!

Marcus Vidal (abril 1, 2009 4:38 PM) disse:

Estou fazendo uma pesquisa sobre o twitter aqui em Curitiba. Sua pagina está sendo muito útil e já sou seu seguidor no twitter. Parabéns. Prof. Marcus Vidal, professor da disciplina de pesquisa de mercado no curso de publicidade da Universidade Positivo - Curitiba-PR.

raquel (abril 3, 2009 11:08 AM) disse:

Oi Marcus!
Obrigada pela visita e espero que a gente continue em contato. :)

raquel (abril 3, 2009 11:09 AM) disse:

Oi Claudio!
Sorry, só vi teu comentário hoje. Se ainda quiser o contato, meu email está ali no link do meu nome. :D

raquel (abril 3, 2009 11:12 AM) disse:

Leonard,
Que bom que ajudou. :)

Roberto (abril 8, 2009 1:24 PM) disse:

A discussão aqui foi super produtiva... Fez jus ao post
:)

Concordo com tua visão Raquel e que:
"Redes sociais na Internet, assim, tendem a ser, portanto, hierarquizadas e descentralizadas, mas não distribuídas."

Muito bom esse Post...

Maria Vargas (março 17, 2010 4:29 PM) disse:

Ei Raquel,
Sua bibliografia tem me ajudado demais no entendimento das redes sociais. Sou mestranda em comunicação e minha dissertação propoe uma análise sobre o impacto dos suportes tecnológico nas relações sociais dentro contexto organizacional. Apesar de várias leituras ainda tenho dúvidas sobre a classificação da estrutura das redes (que estou nomeando de sociotécnicas) dentro das empresas. Isso porque percebo justamente a quase impossibilidade de que tenhamos redes distribuídas quando focamos sistemas sociais(fechados). Obrigada, me ajudou bastante. Se puder indicar mais alguma referência sobre redes nas organizações, agradeço.

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