[17 de agosto de 2009]

Twitter e Bobagens

twitter.jpgDevido à falta de tempo, andei comentando várias coisas no meu Twitter, mas não elaborei com maior cuidado o que queria dizer (o que espero fazer agora). Recentemente, saiu um estudo da Pear Analytics onde se apontava que 40.55% dos tweets eram "pointless babbles"; 37.55% eram conversacionais; 8.7% passam "valor adiante" (seja lá o que isso signifique); 5.85% são auto-promoção; 3.75% são spam; e apenas 3.6% são notícia. No Twitter, eu elaorei parte dessa crítica, como os critérios de classificação (o que seria, exatamente, uma "pointless babble", por exemplo) e o fato de os estudiosos terem classificado coisas como "o que eu estou fazendo" nessa categoria. Aqui, queria elaborar mais a fundo o problema que vejo no trabalho.

O Twitter é conversacional, mas não só isso

É óbvio que toda a forma de comunicação mediada pelo computador (seja um site, seja um perfil no Orkut, seja um fotolog) é, no íntimo, conversacional. É por isso que chamamos a essa categoria comunicação mediada. O objetivo de construir um perfil no Twitter é, em última análise, interagir com outras pessoas. É claro que, dentro da apropriação, as pessoas vão direcionando essa interação para outros fins, além daqueles de construir/reconstruir/aprofundar sua rede social. É por isso que eu chamei várias vezes a atenção para o fato de que o Twitter tem um forte caráter informativo. Do meu ponto de vista, esses novos fins da apropriação vão sendo moldados pelos valores percebidos pelos atores na interação que, em última análise, é também uma relação econômica, de investimento e lucro.

Bem, mas na base de tudo isso, o Twitter é uma ferramenta conversacional. Como ferramenta conversacional, ele suporta uterâncias (ou representações dessas uterâncias, para não entrar na discussão bakhtiniana da linguagem oral/escrita) e diálogos. E, como sabemos, uma conversação é composta de uma série de elementos não-verbais, paralinguísticos, além dos verbais; e dentre estes, também de elementos ritualísticos. Ou seja, um diálogo offline não é composto apenas daquilo que é efetivamente dito, mas de todo um sistema de elementos que dão sentido e que são socialmente estabelecidos (como os rituais) para que a conversação aconteça. Os estudiosos da comunicação mediada (vide o trabalho de Susan Herring, por exemplo) têm mostrado que vê-se na oralização da linguagem da Internet, uma "tradução" de boa parte desses elementos (como os emoticons, as onomatopéias e etc.). Ou seja, procuramos modos de repetir os modos de diálogo também no espaço online. Por isso que as conversações mediadas, quando vistas de fora, parecem dar a impressão de serem constituídas de uma série de uterâncias inúteis. Não são inúteis, são conversacionais. Não são pointless babbles, são partes de um todo.

O Twitter é Performance

Além disso, é preciso não perder de vista que todo o ritual na Rede é também performático (no sentido de Goffman). Ou seja, a comunicação mediada é também uma conversação pública, repleta de expressões que são construídas para dar aos demais participantes determinadas "impressões" sobre os atores. Um perfil no Orkut expressa, por exemplo, menos quem eu sou e mais quem eu penso que sou e quem eu quero que os outros vejam. Toda a representação social na Internet passa por esse processo, porque os atores possuem um controle maior dessas expressões. Assim, é óbvio que as conversações no Twitter também são performáticas, propostas para criar determinadas impressões e determinados modos de ver. A presença de celebridades e fakes no Twitter é uma clara expressão dessas performances. E essas formas de comunicar não são "pointless", de novo. Elas trazem elementos que vão enriquecer a rede social, criar novos valores, gerar atenção.

O problema com a pesquisa da Pear

O que quero dizer, portanto, é que precisamos ser cuidadosos ao avaliar as pesquisas que vão surgindo com afirmações "bombásticas" sobre as ferramentas da Internet. As apropriações sociais são diferentes, claro, mas todas possuem um fim, que é negociado e construído pelos atores e suas redes neste espaço. Assim, se levássemos a pesquisa da Pear ao pé da letra, imaginaríamos que

1) existe apenas uma quantidade pequena (8.7%) dos tweets que "levam valor". Todos os tweets constróem e negociam valores. A interação social, per se, é um valor. O acesso à informação é um valor. A capacidade de ampliar e amplificar a rede social é um valor. Portanto, seria mais fidedigno afirmar que 100% dos tweets constróem valor.

2) 37.55% apenas são conversacionais. Todos os tweets são conversacionais. O que podemos fazer é uma escala de valores, e classificar aqueles que são direcionados (@alguém) como conversacionais diretos (porque fazem parte de um diálogo) e aqueles que não estão direcionados como indiretos. Podemos também classificar os tweets com base nos valores que se sobressaem (como foi o caso da pesquisa que eu e a Gabriela Zago fizemos com 622 tweets). Mas é preciso ter em mente que todos os tweets serão, em alguma medida conversacionais.

3) 40.55% dos tweets são asneiras. Novamente, outra classificação complicada. Não dá para dizer o que é bobagem e o que não é em um diálogo. É preciso analisar com maior cuidado como essas "pointless babbles" influenciam a conversação. Assim, acredito que essa categoria, seja, na realidade, composta de tweets conversacionais indiretos.

O problema, creio eu, é confundir categorias específicas (como auto-promoção e notícias) com categorias genéricas, como conversação. Talvez, se fossem criadas sub-categorias dentro das possibilidades conversacionais e das possibilidades informacionais, a pesquisa ficasse mais clara. Assim, que apesar das inúmeras matérias escritas em blogs de tecnologia que deram apenas uma olhada superficial no trabalho e saíram por aí noticiando que o Twitter é um monte de asneira, tomei aqui a liberdade de fazer uma crítica. Não é. Não se engane, nenhuma ferramenta social é um monte de asneiras. As interações são complexas, são econômicas e traduzem parte das redes sociais das pessoas. Mais do que isso, elas influenciam sim, e muito, o universo offline, reconstruindo sentido e criando mobilizações.

Para outra crítica, leia aqui o comentário da danah boyd.(Andamos discutindo o assunto por email, os argumentos dela são bem semelhantes aos meus.)
por raquel (08:20) [comentar este post]


Comentários

adriamaral (agosto 17, 2009 4:36 PM) disse:

Essa questão da performance tb tem a ver com a constituição do perfil, como no artigo do Liu (2007), depois eu explico melhor

Carlos Nepomuceno (agosto 18, 2009 9:54 AM) disse:

Raquel,

é interessante isso, pois a discussão a meu ver é relacional, pois valor é um item relacional, subjetivo, não se tratando de números.

Eu dou valor para andar de bicicleta, vc odeia.

Fulano se mata por um cordão de ouro, outro adora conchas no pescoço.

Ou seja, o princípio da ideia, me parece problemático.

Outro ponto é a questão da troca de bobagens, que é a constituição de redes informais de relacionamento, que também, de alguma forma, agregam valor de relacionamento.

Uma turma pode jogar abobrinhasfora e no caso de um desemprego de um deles, sair todos em apoio.

Por fim, cada um faz no Twitter a rede que quiser de seguidores e seguidos.

Tenho estudado o TweetEffects e constatado que o entra e sai de uma determinada pessoa, de seguidores e seguidos é enorme.

As pessoas entram e saem, a meu ver, pela quantidade e qualidade do que cada um coloca.

Quase um controle remoto de mudanças de canais.

Assim, acredito que a forma mais científica de se aferir algo informacional não é observando o que é postado, os registros, apenas, mas, sobretudo, o que aquilo significa para as pessoas, através de conversa com os usuários para saber o que tem agregado na vida deles.

Concordas?

Nepô.

ps- estou lendo seu livro e estou gostando.

Ricardo Oliveira (agosto 18, 2009 9:10 PM) disse:

Tentando contribuir, um trechinho do artigo do Steven Johnson na Time, que estamos traduzindo pra jogar na web em breve, falando sobre a possível falta de profundidade do Twitter.

"O escritor sobre tecnologia, Clive Thompson, chama isso de "ambient awareness": seguindo essas mensagens rápidas e abreviadas dos membros da sua rede social, você obtém uma estranha satisfação ao vislumbrar a rotina deles. Não nos parece estúpido iniciar uma chamada telefônica por dia com um amigo perguntando como ele está. O Twitter lhe dá essa mesma informação, sem nem mesmo ter que pedir."

Pedro Souza Pinto (agosto 21, 2009 4:32 PM) disse:

Oi Raquel, coloquei esse post entre os melhores da semana lá no portal Horizonte RP: http://horizonterp.ning.com/profiles/blogs/melhores-posts-de-rp-da-semana-1

Muito bom, parabéns!

Fernando Luz (agosto 22, 2009 3:20 PM) disse:

Acredito que essa pesquisa revela não apenas os habitos de usos dos usuários do twitter, mas da conversação em geral.

É óbvio que mais de 40% é bobagem, sim. Porém, não apenas o twitter, mas no universo off-line. Ou alguém acha que mais que 60% do que se fala no mundo é útil?

Infelizmente, a verdade é que esses números mostram que no twitter as pessoas até falam um número considerável de coisas relevantes, porquê, fora dele, esses números são bem piores. Não tenha dúvidas.

Tereza Jardim (setembro 21, 2009 11:47 AM) disse:

Como muitos, demorei um tempo pra entender o funcionamento da rede social no Twitter. Mas depois que peguei o jeito, fui construindo minha rede de acordo com meus interesses [claro]. Fotografia, design, notícias, nerdices, são alguns dos assuntos que me interessam num tweet.

Quando já estava quase viciando, um amigo comentou comigo que achava o twitter a coisa mais idiota que já criaram na internet. Eu fiquei olhando pra ele, aguardando a explicação. "Sério, ficar falando o tempo todo o que tá fazendo e pra onde tá indo, pra quê eu quero saber isso?".

Aí eu me dei conta que cada um constrói a rede que quer. Considero o twitter absolutamente desnecessário pra pessoas como meu irmão, que é médico e quase não encosta no notebook pra conectar. O que teria de interessante pra ele lá? O pessoal que fala dos programas de TV? Não, obrigada, ele nem gosta de TV.

Já eu, que trabalho com design e fotografia, tenho uma fonte riquíssima de portfólios, sites de serviços, artigos, contatos com profissionais da minha área, enfim, conteúdo pra passar o dia inteiro lendo!

Saulo (outubro 26, 2009 11:29 AM) disse:

Raquel,

Tratando mais especificamente do termo conversacional, deve-se pensar que todo post, ou tweet, potencialmente provocará interesse de alguém (sendo "conversacionável"), ou que todo tweet provoca efetivamente algum interesse?

Ou seja, quando não há valores que se sobressaem em alguns tweets, quando este não manifesta repercursões, ainda assim é conversacional? Seria esta uma caracateristica inererente ao post, simplesmente por ser visível, pela sua visibilidade?

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